September 18, 2019

Chernobyl, a morte invisivel


"Somos ar, não somos terra..."
Merab Mamardashvili

Corria o ano de 2017 e Auschwitz não me saía da cabeça. Tinha lido imensos livros nos últimos meses sobre o assunto e percebi que não podia esperar mais para pôr os meus pés nesse campo de concentração nazi. Fui ao mapa e haviam ali uns países que nunca tinha visitado e que poderia ser uma boa altura para o fazer. Em menos nada, uma simples visita a Auschwitz tornou-se numa viagem de um mês à Polónia, Hungria, Eslováquia e Ucrânia. É o que acontece quando a Marta dá uma olhadela ao mapa... 
Na nossa rota inicial iriamos de Lviv na Ucrânia, para Sul até chegarmos à Hungria mas claro, a Sofia tinha de vir com as suas ideias doidas, desta vez queria ir a Chernobyl! Eu também queria mas iriamos sair muito da nossa rota se fossemos até Kiev e ainda por cima tinha de pagar 80€. Não valia a pena estar a fazer-me de díficil, foi só ela voltar a falar do assunto e já estava convencida. Chernobyl here we go :)





Sala de teatro e Centro Cultural em Chernobyl

Onde, como, com quem reservamos a ida a Chernobyl?
Assim que a Sofia chegou ao nosso airbnb na Cracóvia fizemos logo a reserva para a tour em Chernobyl. Pela sua pesquisa teríamos de marcar o mais rápido possível para garantir lugar nos dias que estivessemos em Kiev. Assim, fomos até ao site da Solo East, pagamos metade do dinheiro via paypal e o resto pagamos no próprio dia da tour que poderia ser em dólares americanos ou em hryvnia (moeda ucraniana). 
A Solo East enviou-nos de imediato uma lista de recomendações para o dia, por exemplo, para não termos pele visivel nos braços, pernas e pés devido à radiação que ainda paira por lá. Enviaram também o itinerário completo do dia. Fiquei logo surpreendida com a organização da parte desta agência na qual recomendo ao máximo!
No total pagamos cerca de 80€ pelo dia completo com o seguro (obrigatório), guia em inglês e almoço incluido. Se anteriormente achava um pouco caro, depois da visita a Chernobyl achei bem em conta!






Creche

Abalámos para Chernobyl numa carrinha bem moderna e pelo caminho vimos um vídeo sobre a história de Chernobyl. Ao contrário de Auschwitz sabia muito pouco, só depois desta visita é que li "Vozes de Chernobyl" e pesquisei mais informação na internet. 

Mas afinal o que se passou em Chernobyl?

A catástrofe de Chernobyl tornou-se o maior desastre tecnológico do século XX. Aconteceu no dia 26 de Abril de 1986 à 1h23 da manhã, onde uma série de explosões destruiu o reactor e o edifício que albergava o reactor número 4 da Central Nuclear de Chernobyl.
Embora a Central Nuclear situasse na Ucrânia, quem mais ficou prejudicado nesta catastrofe foi a Bielorrússia, uma vez que os ventos estavam a rolar no seu sentido. Dos 50 milhões de curies de radionuclídeos lançados para a atmosfera, 70% caíram sobre a Bielorrússia, 4.8% sobre a Ucrânia e 0.5% na Rússia.
Ora, para um país agrário com predomínio de uma população rural com apenas 10 milhões de habitantes foi uma verdadeira tragédia nacional. Devido às radiações, todos os anos o número de doenças oncológicas, crianças com pertubações mentais e mutações genéticas aumentam.

"As pessoas ficaram assustadas. Encheram-se de medo. Houve quem começasse, à noite, a enterrar os seus bens (...) Depois ouvi dizer que os soldados tinham evacuado uma aldeia, mas que um casal de velhos tinha ficado. Na véspera do dia em que as pessoas foram reunidas e metidas em autocarros, eles tinham pegado na sua vaquinha e ido para a floresta. Esperaram por lá. Como durante a guerra. Quando os nazis da expedição punitiva incendiaram a aldeia."
Zinaída Kovalenko



Central Nuclear



Até chegarmos à Ucrânia, cada pessoa que sabia que iriamos visitar Chernobyl ficava surpreendida mas com uma carga negativa sabem? Provavelmente porque viveram esse tempo ou então têm casos de familiares e amigos que morreram ou ficaram com sérios problemas de saúde. Logo, percebemos que é um assunto tabu. Inclusive conhecemos uma bielorussiana que ficou muito comovida ao falar do assunto e fomos obrigadas a parar com a conversa. 

Da minha parte tenho um interesse enorme em tragédias que aconteceram na nossa História. Precisavam de ver o meu entusiasmo a estudar a Segunda Guerra Mundial para o exame de História do 12º ano e todos aqueles ditadores horrorendos. Acho importante sabermos o que se passou no passado para, no caso de Auschwitz, não deixarmos que aconteça de novo. Sou também interessada em histórias de vida porque aprendo com os erros dos outros. Aliado a isto tenho um fascinio enorme por lugares abandonados, inventar uma história na minha cabeça de quem viveu ali, porque é que abandonaram o lugar, os móveis e objectos que utilizavam-se na altura e toda a adrenalina que é estar num lugar proibido. Sou uma exploradora incurável, admito!




Apartamentos abandonados





Ginásio 

Adivinhem o que eu e a Sofia partilhamos uma com a outra assim que terminou a tour por Chernobyl? "Temos de voltar para a tour de três dias" :D

Tivemos sorte com a nossa guia, muito simpática, sabia responder a todas as dúvidas e ainda nos levou a lugares que não era permitida a nossa entrada. Muito paciente com a malta das fotos hehe Podem ver no instagram dela fotos de Chernobyl. 

Durante a visita olhavamos ao nosso aparelho para medir a radiação do sítio. Muitos desses sítios tinham menos radiação do que quando medimos pela primeira vez ainda em Kiev! Por isso sim, é seguro irem a Chernobyl, não ficarão contaminados nem crescerá mais uma cabeça no vosso corpo :) 
Há salas na Central Nuclear onde aconteceu o desastre que nunca foram e nunca serão abertas pela quantidade absurda de radiação existente.
A nossa guia contou-nos que, ao terminar uma tour passamos por uma máquina que detecta se temos radiação, então uma rapariga tinha bastante ao que foi obrigada a retirar as calças! O namorado por compaixão emprestou as calças dele e foi de boxers para Kiev :D




O famoso parque de diversões de Chernobyl

"Da primeira vez que nos disseram que tínhamos radiação pensámos que era uma espécie de doença e quem a apanhasse morria logo. Não, disseram, é uma coisa que poisa no solo e entra nele, mas não se consegue ver. Um animal talvez veja e ouça, mas o homem não se consegue ver."
Em Vozes de Chernobyl - Svetlana Alexievich
 "Preparávamo-nos para a guerra, uma guerra nuclear, construíamos abrigos nucleares. Queríamos esconder-nos do átomo da mesma forma que dos fragmentos de um projétil. Mas o átomo está em todo o lado... No pão, no sal... Respiramos radiação, comemos radiação (...) Tudo envenenado... Agora importa compreender como vamos ter de viver."Em Vozes de Chernobyl - Svetlana Alexievich






Já estava espantada com todo o cenário de Chernobyl mas foi quando chegamos a Prípiat, a cidade onde moravam cerca de 50.000 habitantes e trabalhadores da Central Nuclear onde se deram as explosões, que apercebi-me do real impacto desta catastrofe. Entramos dentro de um edificio com vários apartamentos que continham ainda mobília e objectos pessoais, largados ao deus de ará. Consegui ouvir os gritos aterrorizados daquelas pessoas a tentarem salvar a sua família, os bens mais importantes e tentarem escapar à morte. Mas o gás já estava lançado e respirado por aquelas pessoas...

Do terraço do edificio (nestas primeiras fotos) conseguiamos avistar a Central Nuclear e a natureza a tomar conta da cidade. Foi aqui que percebi o verdadeiro poder da mãe natureza e no quanto dependemos dela para viver. 

"Vivíamos na cidade de Prípiat (...) Não perdemos uma cidade, perdemos a vida inteira. (...) Anunciaram pela rádio: não se pode levar os gatos! A minha querida filha começou a chorar com medo de perder a sua querida gata (...) Levei a minha mulher e a minha filha ao hospital. Tinham umas manchas negras que alastravam por todo o corpo. Ora apareciam, ora desapareciam. (...) a minha filha chamava-se Kátia... Katiúcha... Morreu aos sete anos...
Nikolai Kalúguin








Espero que tenham gostado de viajar por Chernobyl comigo. Se tiverem alguma dúvida deixem nos comentários. Gostarias de ir a Chernobyl?

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  1. Sou sincera... é um sítio que nunca irei mesmo! Por tudo o que engloba Chernobyl. Estou a ver a essa que retrata o que aconteceu e fico sempre com uma dor no peito com tudo e ver este teu post deixou-me tão emocionada mesmo mas veio mesmo a calhar porque queria saber mais para além do que mostram na série! Obrigada por este post!

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    1. Como muitas pessoas não têm minimo interesse de visitar chernobyl tive mesmo de partilhar esta minha experiência. Acho que pessoas que são apaixonadas por história trágica ou que exploram lugares abandonados vão amar visitar este sítio. Tenho de ver a série!!

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Grata por comentares, adoro saber o que passa pela tua mente.

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