April 21, 2019

Um ano sem pai


Corria o Verão de 2005. Estava a trabalhar no bar do Mini Golf quando recebo uma chamada da minha mãe. Fiquei logo apreensiva porque ela normalmente não me liga durante o trabalho. 
"Estou filha, sabes alguma coisa do teu pai?"
"Hmm não, ele não está em casa?"
"Não, não sabemos nada dele desde manhã"
Eram umas 18 horas e o meu pai é quem cozinha em casa, logo não aparecer para o almoço foi meio suspeito. Para ajudar na altura ele não tinha telemóvel. 
Passados escassos minutos a minha mãe volta a ligar-me. 
"Telefonei para todos os hospitais da zona e descobri que está no hospital de Faro"
Como assim?!!

Quando estavamos para entrar no quarto do hospital que o meu pai se encontrava parei na porta e fiquei a observar. Tinha eu 21 anos na altura. Ao olhar para a cama onde o meu pai estava deitado passou-me, pela primeira vez na vida, na cabeça que o meu pai não era imortal e que um dia iria morrer. Grande peso no coração!
Podem até achar bizarro mas a partir deste dia comecei a preparar-me mentalmente para a morte do meu pai. 

O meu pai é aquela pessoa alta, bruta, com um corpalhaço de meter medo. A minha primeira memória enquanto ser humano é ser muito pequena e agarrar no seu dedo mindinho na rua. Na altura já me parecia enorme, imaginem só a sua mão! Eu não deslargava o seu dedo mindinho, nem para subir as escadas até ao nosso apartamento em Loulé no terceiro andar. 

Cresci numa família um pouco diferente para a altura. A minha mãe era dona de uma loja na rua das lojas e saia de casa muito cedo de manhã e só voltava à noite. Na altura do Natal em que haviam muitos pedidos de arranjos de flores de Natal ela chegava a sair da loja à meia noite. A verdadeira heroina que trazia o dinheiro para casa, uma grande inspiração!
Então a família ajustou-se, o meu pai era quem cozinhava, o meu encarregado de educação e cuidava de mim. Com isto cresci a naturalmente a entender que não existem diferenças entre homens e mulheres, somos todos iguais e não existe essa treta do homem não fazer nada em casa e a mulher é que tem a obrigação de fazer as tarefas domésticas. Eu ía com o pai às compras, ele é que dava-me o almoço para ir para a escola, ele fazia-me os TPC de Matemática e mimava-me muito. Era a menina do papá, admito. 

Aquela Sexta Feira 13 em que o meu irmão liga-me a dizer "Tenho uma notícia má. O pai morreu" jamais ficará esquecida. Aquelas palavras cairam-me tão pesadas no meu corpo, não dava para acreditar. Ele tinha entrado no hospital na Quarta Feira, o meu irmão e mãe foram visita-lo e estava radiante a mandar aquelas piadolas parvas à pai e depois de dois dias morre?? Chorei um rio mas tinha de agir. Respirei fundo e apanhei o primeiro transporte de Lisboa para o Algarve.

Durante uma semana eu, a minha mãe e o meu irmão não saimos de casa. Ficamos a fazer o luto em conjunto. Lembramos de muitas situações engraçadas com o pai, muitas memórias voltaram aos nossos dias. Fez-nos muito bem no meio das lágrimas sorrirmos um pouco ao lembrar dos momentos que ele nos envergonhava com aquele vozeirão alto no meio da rua ou a discutir sobre política. Trouxe alento ao nosso coração despedaçado. 

Durante 14 anos lembrei-me que o meu pai iria morrer um dia. A pessoa que mais amava no mundo. Nesses momentos chorava em silêncio. Cheguei a olhar para ele, lembrar-me disso e ir a correr para o quarto chorar porque um dia teria de vê-lo partir. Nunca passou pela minha cabeça que eu poderia ser a primeira. Tinha de estar minimamente preparada para o pior dia da minha vida. 

2017 já foi um ano duro. Em 2018 estava a recuperar do final de um namoro muito bonito e a tentar voltar ao meu eu. Estava a usar todas as armas para voltar a ter amor próprio, voltar a ter a minha auto estima de sempre quando o meu pai morre. Era muita emoção para gerir ao mesmo tempo! Estava sem chão mas recusei-me a entrar em desespero.
Os meses que seguiram-se à morte do meu pai foram pavorosos. Despedi-me do meu trabalho e mantive-me em Lisboa.
Decidi que já não iria visitar os Açores nem a Islândia. Com esse dinheiro iria espairecer. Sentia que se não o fizesse iria cair numa depressão horrivel e naquele momento tinha de ser forte para encarar a dura realidade de nunca mais poder olhar para o meu pai, trocar sorrisos, discutir sobre assuntos da actualidade, ouvir a sua voz. 
Então fui a todos os festivais e festas possiveis e imaginaveis. Tive um Verão do caraças!! A música e dança são as terapias na qual me refugiei durante estes meses e foram a cura perfeita. Era capaz de estar horas numa pista de dança de olhos fechados e deixar que toda aquela dor saisse do meu corpo.
Muitas pessoas pensavam que tinha voltado à adolescência mas não, esta foi a minha melhor forma de cuidar de mim, dos meus e dar a volta à situação. 

Hoje, um ano depois, entendo perfeitamente a Eterna Saudade, doi muito quereres só olhar para uma pessoa que foi muito importante na tua vida, que esteve sempre lá para ti, que passaste momentos maravilhosos e simplesmente... não poderes. Nunca mais. 
Mas estou numa boa posição, aceitei na plenitude que estava na sua hora e que a vida tem de continuar. Como última memória tenho o sorriso aberto do meu pai e a felicidade nos seus olhos quando foi-me buscar a Loulé, vinda de Lisboa. 

A melhor mensagem que posso transmitir-vos com este desabafo é: sejam gratos pelos vossos pais. Antes de começarem uma discussão com eles abracem-nos. Aproveitem bem! Não sabem quando irão partir, pode ser daqui a 20 anos como pode ser já amanhã. 


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  1. Como eu te entendo. .. No dia 20 fez 6 anos que me despedi do meu pai ...
    Adoro a forma como escreves e relatas os teus sentimentos... Tens mais uma fã ��

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    1. Ohhh muito agradecida! Se me conheceres vais perceber que é a minha forma de comunicar, sem filtros :)
      Continua com força!

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  2. Martinha beijo grande sua valente...

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  3. Oh Martinha...caramba, deixaste-me com a lágrima no olho. Saber que, se tudo seguir o curso "natural", vou ter que ver os meus pais partir é das coisas que mais me assusta na vida. Mas não posso deixar de notar a forma bonita como guardaste o teu Pai no coração. Tens toda a razão: temos que aproveitar enquanto os temos cá. Um grande beijo!

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    1. Custa mesmo muito e nunca estamos realmente preparados. Mas acho que encontrei um bom mecanismo para não cair em depressão e o apoio dos amigos é taooooo importante nestas alturas.
      Mas aí está, é a única certeza que temos, um dia vais morrer. O melhor é aceitar o mais rápido possível.
      Obrigada pelo apoio Jiji do meu coração 💚 beijinho

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  4. Disseste o mais importante Marta, eles (e nós) podem morrer de um dia para o outro, mais vale aproveitar, sorrir, e acarinhar. Bjs

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    1. Mas parece que o ser humano anda demasiado ocupado nas redes sociais para passar tempo com quem realmente importa. Enfim! Beijinhos querida Natália

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  5. 😥❤️😘 Beijinhos enormes amiga. Keep smiling. O teu pai fez um excelente trabalho, educou para o amor. Porque toda tu és o mais importante deste mundo - Amor. Ass:Sandra Cabrita

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    1. Tenho mesmo de agradecer-lhe pelos valores e princípios que passou-me, se hoje tenho amor próprio e sou o que sou é (também) graças a ele. Beijinho amiga 💚

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Grata por comentares, adoro saber o que passa pela tua mente.

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